quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

UM PERFIL DE SANTO SOUZA

O poeta José Santo Souza imortalizou a sua obra literária nas representações mitológicas, refletindo um conhecimento extraordinário da cultura da Antiguidade, com uma linguagem forte, onde se vê o seu domínio sobre a língua e a literatura grega, mesclando os deuses e heróis, com as suas personagens sofridas, perseguidas, ensanguentadas e famintas, na luta contra as adversidades e na esperança da conquista da liberdade e do bem comum, como fundamentos dos princípios mais elevados da dignidade da pessoa humana. 
 Santo Souza, nasceu  em Riachuelo, no Estado de Sergipe, a 27 de janeiro de 1919, era filho de Manuel Raimundo Vasconcelos e de Hermínia Vasconcelos. Fez os estudos iniciais na cidade natal, na escola da Professora Marocas Marafuz, mudando-se, ainda na adolescência, para a cidade de Aracaju, onde se empregou no comércio. Autodidata, dedicou-se ao estudo da literatura, da música e da arte. Produziu  crônicas em que se misturavam a prosa e a poesia, para o deleite e o encantamento dos seus leitores. Na poesia, aprimorou-se com o poema de cunho social, o poema dos aflitos e dos angustiados, elevando a sua voz contra a intolerância e a opressão. Por toda a sua obra, é considerado como um dos mais importantes nomes da poesia sergipana  da segunda metade do século XX,  o que lhe abriu o  caminho para a conquista da Cadeira nº 3, da Academia Sergipana de Letras, na qual foi empossado no dia 4 de julho de 1970, na sucessão do, também, poeta Cleômenes Campos de Oliveira,  em cuja solenidade foi recebido  pelo acadêmico José da Silva Ribeiro Filho, que, no seu discurso,    enalteceu o estro poético esotérico e místico do intelectual sergipano. Além da sua atuante participação no Sodalício sergipano, Santo Souza  integrou, ainda,  o Movimento Cultural Sergipano, liderado por José Augusto Garcez; fez parte do Clube Sergipano de Poesia e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Foi  membro titular do Conselho Estadual de Cultura e sócio correspondente da Academia Paulista de Letras. Faleceu em Aracaju no dia 18 de abril de 2014, deixando enlutada a Academia Sergipana de Letras.

       Para imortalizar a sua obra, a Academia Sergipana de Letras, a Associação Sergipana de Imprensa e a Loja Maçônica Cotinguiba interagiram num projeto de edição do livro Ponte para os trágicos, reunindo os poemas Ésquilo na tormenta, Deus ensanguentado e Crepúsculo de esplendores,  homenageando-o, ao completar os seus  95 anos de idade, em plena produção literária.ao acadêmico.
      
Além de poeta e notável cronista, Santo Souza engajou-se no campo do jornalismo, especialmente na condição de redator-chefe da Revista Alvorada e em participações em jornais diários de Aracaju, produzindo textos para programas culturais da antiga Rádio Difusora de Sergipe, bem assim para as rádios Liberdade e Cultura.
       No jornalismo e na poesia, Santo Souza propugnou por uma sociedade mais justa, digna e participativa. Nessa linha de pensamento, o poeta debruçou-se sobre a insensatez da sociedade no enfrentamento das desigualdades entre as pessoas, lançando um grito de clamor e de ansiedade, legitimado na representação do poema Paisagem de Natal./Natal. Noite de festa! – Sob o açoite/do vento, que pragueja e rodopia,/a noite vela. Tão somente a noite,/A noite e o vento na infernal orgia./No alto, o sudário azul do céu se espalha/embebido de lágrimas frementes.../Longe, o horizonte, exausto, se agasalha/nos ombros das montanhas penitentes./E a tristeza das árvores cansadas/no escuro. Bracejando, em pé. Sofrendo,/com as unhas das raízes enterradas/nas entranhas do chão, se contorcendo./Perto, a choupana. E a luz que se consome,/numa vigília atroz, dentro da sala/vendo a criança magra que se embala/sonhando e rindo, pálida de fome./Natal! Jesus-menino... E esta criança/sem brinquedos, faminta, na esperança/de ver Papai Noel se aproximando.../E o vento passa. O vento passa e a engana!/-Não é Papai Noel: é o vento andando/sobre o teto de palha da cabana.../Dois mil anos de sonhos e esperanças/se desfolhando em cada coração:/Natal! Noite de festa... E essas crianças/de mãos vazias – sem um lar! sem pão!

       Na esteira do mistério dos construtores do Templo de Salomão e sob o pálio do Grande Arquiteto do Universo, o poeta, ávido por liberdade, produziu Pássaro de pedra e sono, composto com vinte e dois poemas e uma temática universal, em que trata do poder e do flagelo da fome, lançando um protesto contra as prisões e a opressão dos poderosos. Esse livro, considerado subversivo pela censura da Ditadura Militar de 1964, foi retirado das prateleiras das livrarias e a sua circulação proibida, já que os poemas Decreto-Lei nº 13, Canção de Condenados e Canção para os Famintos, apontavam injustiças e manifestavam um pensamento revolucionário, sutil e prolongado, o que desagradava aqueles que se encontravam encastelados no poder.
       Sucederam-se outras produções literárias, merecendo destaque entre elas, Pentáculo do medo, A construção do espanto, Rosa de fogo e lágrima, Deus ensanguentado e Crepúsculo de esplendores, onde Santo Souza encanta-se com os deuses, heróis e divindades da Mitologia Grega, transcendendo-os para as realidades sociais de um mundo convulsionado pelas guerras fraticidas, pelos conflitos sociais e pelos preconceitos étnicos.

        A obra  de Santo Souza está construída sobre uma visão órfica do universo, cercada de misticismo e  espiritualismo, com uma mensagem forte, em que discute sobre a condição humana e sobre a função do homem na Terra, estabelecendo uma relação entre a poesia e o mito Orfeu, um herói lendário, dotado de uma capacidade para o canto tão maravilhosa, que era capaz de pacificar feras e mover as árvores e as pedras... 

Nenhum comentário:

Postar um comentário