O
poeta José Santo Souza imortalizou a sua obra literária nas representações mitológicas,
refletindo um conhecimento extraordinário da cultura da Antiguidade, com uma
linguagem forte, onde se vê o seu domínio sobre a língua e a literatura grega,
mesclando os deuses e heróis, com as suas personagens sofridas, perseguidas,
ensanguentadas e famintas, na luta contra as adversidades e na esperança da
conquista da liberdade e do bem comum, como fundamentos dos princípios mais
elevados da dignidade da pessoa humana.
Santo Souza, nasceu em Riachuelo, no Estado de Sergipe, a 27 de
janeiro de 1919, era filho de Manuel Raimundo Vasconcelos e de Hermínia
Vasconcelos. Fez os estudos iniciais na cidade natal, na escola da Professora
Marocas Marafuz, mudando-se, ainda na adolescência, para a cidade de Aracaju,
onde se empregou no comércio. Autodidata, dedicou-se ao estudo da literatura,
da música e da arte. Produziu crônicas
em que se misturavam a prosa e a poesia, para o deleite e o encantamento dos
seus leitores. Na poesia, aprimorou-se com o poema de cunho social, o poema dos
aflitos e dos angustiados, elevando a sua voz contra a intolerância e a
opressão. Por toda a sua obra, é considerado como um dos mais importantes nomes
da poesia sergipana da segunda metade do
século XX, o que lhe abriu o caminho para a conquista da Cadeira nº 3, da
Academia Sergipana de Letras, na qual foi empossado no dia 4 de julho de 1970,
na sucessão do, também, poeta Cleômenes Campos de Oliveira, em cuja solenidade foi recebido pelo acadêmico José da Silva Ribeiro Filho,
que, no seu discurso, enalteceu o
estro poético esotérico e místico do intelectual sergipano. Além da sua atuante
participação no Sodalício sergipano, Santo Souza integrou, ainda, o Movimento Cultural Sergipano, liderado por
José Augusto Garcez; fez parte do Clube Sergipano de Poesia e do Instituto Histórico
e Geográfico de Sergipe. Foi membro
titular do Conselho Estadual de Cultura e sócio correspondente da Academia
Paulista de Letras. Faleceu em Aracaju no dia 18 de abril de 2014, deixando
enlutada a Academia Sergipana de Letras.
Para imortalizar a sua obra, a Academia
Sergipana de Letras, a Associação Sergipana de Imprensa e a Loja Maçônica
Cotinguiba interagiram num projeto de edição do livro Ponte para os trágicos, reunindo os poemas Ésquilo na tormenta, Deus
ensanguentado e Crepúsculo de
esplendores, homenageando-o, ao
completar os seus 95 anos de idade, em
plena produção literária.ao acadêmico.
Além
de poeta e notável cronista, Santo Souza engajou-se no campo do jornalismo,
especialmente na condição de redator-chefe da Revista Alvorada e em
participações em jornais diários de Aracaju, produzindo textos para programas
culturais da antiga Rádio Difusora de Sergipe, bem assim para as rádios Liberdade
e Cultura.
No jornalismo e na poesia, Santo Souza propugnou
por uma sociedade mais justa, digna e participativa. Nessa linha de pensamento,
o poeta debruçou-se sobre a insensatez da sociedade no enfrentamento das
desigualdades entre as pessoas, lançando um grito de clamor e de ansiedade,
legitimado na representação do poema Paisagem
de Natal./Natal. Noite de festa! – Sob o açoite/do vento, que pragueja e
rodopia,/a noite vela. Tão somente a noite,/A noite e o vento na infernal
orgia./No alto, o sudário azul do céu se espalha/embebido de lágrimas
frementes.../Longe, o horizonte, exausto, se agasalha/nos ombros das montanhas
penitentes./E a tristeza das árvores cansadas/no escuro. Bracejando, em pé.
Sofrendo,/com as unhas das raízes enterradas/nas entranhas do chão, se
contorcendo./Perto, a choupana. E a luz que se consome,/numa vigília atroz,
dentro da sala/vendo a criança magra que se embala/sonhando e rindo, pálida de
fome./Natal! Jesus-menino... E esta criança/sem brinquedos, faminta, na
esperança/de ver Papai Noel se aproximando.../E o vento passa. O vento passa e
a engana!/-Não é Papai Noel: é o vento andando/sobre o teto de palha da
cabana.../Dois mil anos de sonhos e esperanças/se desfolhando em cada coração:/Natal!
Noite de festa... E essas crianças/de mãos vazias – sem um lar! sem pão!
Na esteira do mistério dos construtores
do Templo de Salomão e sob o pálio do Grande Arquiteto do Universo, o poeta,
ávido por liberdade, produziu Pássaro de
pedra e sono, composto com vinte e dois poemas e uma temática universal, em
que trata do poder e do flagelo da fome, lançando um protesto contra as prisões
e a opressão dos poderosos. Esse livro, considerado subversivo pela censura da
Ditadura Militar de 1964, foi retirado das prateleiras das livrarias e a sua
circulação proibida, já que os poemas Decreto-Lei nº 13, Canção de Condenados e Canção
para os Famintos, apontavam injustiças e manifestavam um pensamento
revolucionário, sutil e prolongado, o que desagradava aqueles que se
encontravam encastelados no poder.
Sucederam-se outras produções literárias,
merecendo destaque entre elas, Pentáculo
do medo, A construção do espanto,
Rosa de fogo e lágrima, Deus ensanguentado e Crepúsculo de esplendores, onde Santo
Souza encanta-se com os deuses, heróis e divindades da Mitologia Grega,
transcendendo-os para as realidades sociais de um mundo convulsionado pelas
guerras fraticidas, pelos conflitos sociais e pelos preconceitos étnicos.
A
obra de Santo Souza está construída
sobre uma visão órfica do universo, cercada de misticismo e espiritualismo, com uma mensagem forte, em que
discute sobre a condição humana e sobre a função do homem na Terra,
estabelecendo uma relação entre a poesia e o mito Orfeu, um herói lendário, dotado
de uma capacidade para o canto tão maravilhosa, que era capaz de pacificar
feras e mover as árvores e as pedras...
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