sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

VIDA, SONHOS E LUTAS

Vida, sonhos e lutas é um ensaio de história política de Sergipe, de autoria do escritor Tertuliano Azevedo, com 151 páginas e sob os selos da Editora J. Andrade e do Instituto Banese.
       Tertuliano, advogado, político e conselheiro da Corte de Contas do Estado, marcou, com letras lapidares, a sua trajetória de vida na advocacia, na política e nos seus magistrais votos pronunciados no colegiado responsável pelo controle da Administração Pública, sempre combatendo a corrupção e os desmandos dos gestores públicos.
       Na abertura do seu livro, o autor reúne uma variedade de depoimentos colhidos de colegas e de  personalidades da vida política sergipana de todos os matizes partidários, com quem ele partilhou o seu trabalho e as suas experiências profissionais, na incessante busca do bem estar social, valendo destacar os pronunciamentos de Carlos Pina de Assis, Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe; de Benedito Figueiredo, Secretário da Justiça e da Cidadania; de Antonio Carlos Valadares,  Senador; de Reinaldo Moura, Conselheiro; de João Augusto Gama da Silva, Secretário de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão; de Manoel Pacheco, economista e professor da Universidade Federal de Sergipe; do saudoso governador Marcelo Deda; de Eduardo Amorim, Senador; de João Alves Filho, Prefeito de Aracaju; de Albano Franco, líder político e agente cultural e de José Carlos Machado, Vice-prefeito de Aracaju. Todos, à unanimidade, ressaltaram os valores de Tertuliano Azevedo, desde a sua militância na política estudantil até a sua postura de magistrado.
       No prefácio do livro Tertuliano: vida, sonhos e lutas, a sua filha Sônia Maria Azevedo Prudente destaca a obra literária e o seu autor, principalmente. Nas suas apreciações, ela mostra um Tertuliano ativo e participante dos principais episódios da vida política brasileira e os seus reflexos em Sergipe. Além disso, destaca a sua sensibilidade às causas das desigualdades sociais, fazendo-o um defensor de “uma sociedade mais justa e digna de se viver”. Narra, ainda, os seus valores como líder estudantil, sempre na defesa dos princípios éticos, centrados na defesa dos interesses nacionais, levando a sua voz tanto em comícios relâmpagos, ainda na adolescência e na juventude, assim como nos seminários políticos e na Câmara dos Deputados, representando o povo sergipano, naquela casa congressual. Refere-se, também, à postura do Tertuliano como um pai de família afável, polido e amante da sua prole, cujo caráter serve de exemplo para os seus entes queridos e para a sociedade.
       O autor introduz o leitor descrevendo as suas vivencias desde Neopolis, o seu torrão natal, com incursões nas prosperas cidades de Penedo, em Alagoas, e Propriá, pelo lado sergipano, ambas banhadas e acalentadas pelas águas do Rio São Francisco. Para ele, a cidade de Propriá apresentava uma maior concentração de recursos econômicos devido à industria têxtil e ao comercio, que atendia aos ribeirinhos, tanto os do lado sergipano, como os do lado alagoano, inclusive de Penedo, cuja população acorria à feira de Propriá, que se realizava nas sextas-feiras e no sábado. Além de Penedo e Propriá, que despontavam como pólos econômicos,  Tertuliano conta no seu livro de memórias que em Neopólis havia também, um pequeno parque industrial têxtil, representado pela Fábrica de Tecidos Peixoto Gonçalves e Cia, localizada na Passagem, pertencente ao empresário português Manoel Gonçalves e sucedido por José da Silva Peixoto e a Fábrica de Tecidos Têxtil, um consorcio de empresários alagoanos e paulistas, que cerrou as suas portas devido a divergências entre os seus sócios. Nota-se, ainda, uma concentração de renda  representada pela industrialização e beneficiamento do algodão e do arroz, culturas que dominavam o Baixo São Francisco.
       Nas páginas do seu ensaio memorialista e autobiográfico, Tertuliano Azevedo traz a lume a árvore genealógica da sua família e os seus laços de parentesco com o professor estanciano Bricio Maurício de Azevedo Cardoso (1844-1924), patrono da Cadeira nº 36, da Academia Sergipana de Letras e pai de Maurício Graccho Cardoso, deputado, senador e governador de Sergipe e do também, acadêmico e jurista Hunald Santaflor Cardoso, fundador da referida cadeira, no Sodalício sergipano.
       O ensaio Tertuliano: vida, sonhos e lutas reflete representações de antropologia cultural, com o inter-relacionamento humano entre o passado e o presente. Nele,  autor focaliza a sua formação educacional em Aracaju,  no  Colégio Tobias Barreto, no tempo do Professor José de Alencar Cardoso, mais conhecido como  professor Zezinho Cardoso, um dos ícones da educação em Sergipe. Na linha do seu pensamento, Tertuliano faz abordagens ao seu engajamento nas instituições políticas estudantis do Colégio Atheneu Sergipense, concentrando-se na defesa das instituições nacionais e abraçando a “Campanha o Petróleo é Nosso”, que resultou vitoriosa, com a criação da Petrobras. Ainda como estudante, fundou a Ala Estudantil da Esquerda Democrática, que se transformou depois no Partido Socialista Brasileiro (PSB), liderado em Sergipe pelo jornalista Orlando Dantas. Além dessa página, Tertuliano volta o seu olhar para a cidade de Aracaju, destacando a sua população, inclusive todos os excluídos da sociedade. Mostra a sociabilidade das ruas aracajuanas,  o seu casario, os bairros e até, um relato sobre a Feirinha de Natal, no Parque Teófilo Dantas, com o romantismo dos anos de 1950.
       Na advocacia, Tertuliano Azevedo, abraçou o segmento do Direito Trabalhista, sempre defendendo os empregados e os sindicatos de trabalhadores, o que lhe conferiu uma liderança nesse segmento social. Nas referencias a sua militância política na esquerda, o autor do ensaio,  Tertuliano: vida, sonhos e lutas, enfatiza os movimentos para construção da candidatura de João de Seixas Dória ao cargo de  governador de Sergipe, em 1962, até à sua deposição, em 1º de abril de 1964, por representantes do Movimento Militar, em Sergipe. Ele relata, com minudencias, a sua prisão de natureza política, no início do mês de abril daquele ano, como, também, outras prisões de militantes da esquerda em Sergipe, a exemplo da que sofreu ilegalmente, o professor Ariosvaldo Figueiredo, o advogado José Rosa de Oliveira Neto, o prefeito de Propriá Geraldo Maia e o seu irmão, o deputado Cleto Maia; foram presos, também, os deputados Viana de Assis e Nivaldo Santos, estudantes, professores, lideres trabalhistas, magistrados e servidores públicos, todos acusados de subversão à ordem pública, que só foram libertados por força de habeas corpus e de outras medidas judiciais.
Na sua narrativa memorialista, Tertuliano, relata a sua filiação ao Movimento Democrático Brasileiro em Sergipe, aliando-se ao grupo dos autênticos no enfrentamento às repressões da Ditadura Militar de 1964. Ideologicamente centrado nas causas  populares, elege-se deputado federal em 1978, com 16.772 votos, formando com Jackson Barreto de Lima, atual governador de Sergipe, a representação do MDB, na Câmara dos Deputados. Tentou fundar o Partido Progressista em Sergipe, sob a orientação de Tancredo Neves. O PP não vingou e Tertuliano aliou-se a João Alves Filho na sua trajetória ao governo de Sergipe, em 1982. Foi Secretário da Justiça e, nessa condição, criou o Departamento de Assistência Judiciária, órgão precursor da  Defensoria Pública. Com a sua nomeação para o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe Tertuliano Azevedo, encerra a sua trajetória política partidária, passando a dedicar-se à leitura e à escrita de ensaios jurídicos, históricos e memorialistas.
O livro está ilustrado com fotografias representativas de todos os episódios referenciados. Nessa parte iconográfica, destacamos a primeira vinheta com fotos da família, seguida de uma foto no Cacique Chá, onde estão Ariosvaldo Figueiredo, ao tempo Superintendente de Reforma Agrária, em Sergipe; o autor, Tertuliano Azevedo, então Delegado Regional do Trabalho e este escriba, à época jornalista da Gazeta de Sergipe e Secretário de Gabinete do Prefeito de Aracaju, Godofredo Diniz Gonçalves. Outras fotos documentam o ensaio, marcando a trajetória de vida de Tertuliano Azevedo em diversos momentos da sua vida pública.

  A escrita memorialista é o presentificar do passado e, nisso, Tertuliano Azevedo, no seu livro, Tertuliano: vida, sonhos e lutas, soube avaliar.  A relevância da produção de um ensaio dessa estirpe para a história  regional, sobretudo, para a historiografia Sergipe, apresentando um vasto manancial de fontes que, com metodologia apropriada, pode ser convertida em riquíssima pesquisa sobre a memória política do nosso estado.

PARQUE TEÓFILO DANTAS (II)

O Parque era uma área ecológica e urbanisticamente preservada, pois, normas municipais proibiam até as pessoas espocarem foguetes   nos dias festivos, para que não fossem danificados os globos de vidro da iluminação pública e outros equipamentos, segundo a previsão do Edital Nº 5, publicado no Diário Oficial do Estado, edição do dia 20 de agosto de 1928.
       Outra providencia com vistas à manutenção das árvores em crescimento e ao aformoseamento dos jardins que decoravam as suas alamedas, foi a transferência da Feirinha de Natal para a Praça Pinheiro Machado, atual Praça Tobias Barreto, na Zona Sul da Cidade, o que aconteceu em decorrência do Edital Nº 49, publicado na edição de 18 de dezembro de 1929, no Diário Oficial do Estado, que também, publicava os atos municipais.
       Então, na Praça Pinheiro Machado, logradouro aracajuano que homenageava  José Gomes Pinheiro Machado (1851-1915), o político gaúcho mais influente da República Velha (1889-1930), –passaram a ser realizadas, por uns vinte anos, as festas de Natal, Ano Bom e Reis, que ficaram imortalizadas nas páginas do livro Roteiro de Aracaju, de autoria do poeta, cronista, romancista, jurista, professor e acadêmico Mário de Araújo Cabral, um dos fundadores da Academia Sergipana de Letras.
       Mas, nos anos de 1950, a Feirinha de Natal voltou a pontificar no Parque Teófilo Dantas, concentrando nesse espaço público da cidade, total congraçamento religioso e profano da cidade. Nessa época, o ciclo natalino, iniciava-se, invariavelmente, no dia 8 de dezembro, logo após a procissão de Nossa Senhora da Conceição, encerrando-se no dia 6 de janeiro, data dedicada aos Reis Magos, na tradição cristã.
       Durante esse período eram instalados os equipamentos de lazer para a alegria do povo. Um dos que mais atraíam a criançada era o Carrossel de Seu Tobias, capitaneado por um boneco negro, que tocava um realejo e com efeitos mecânicos, movimentava a sua cabeça. O realejo foi substituído por um estridente apito, que era ouvido a alguns quarteirões, pois à época não havia poluição sonora. Este Carrossel era um produto norte americano, fabricado em North Tonawanda, cidade do estado de Nova York e classificado como equipamento de entretenimento, já conhecido dos sergipanos desde 1904, porém, só depois de 1958, quando passou a pertencer ao Vereador Milton Santos, consolidou-se como garantia das festas do Natal de Aracaju. Era instalado no lado direito da Catedral Nossa Senhora da Conceição e composto com parelhas de cavalos de madeira, pintados com tinta a óleo, à semelhança das cores dos eqüinos (tordilho, ruço, preto, alasão, castanho),  encilhados  e, também, movimentados mecanicamente, como se estivessem a galope.  Era a sensação de crianças e adultos, que ainda se aboletavam nas confortáveis poltronas, a rodopiar numa plataforma sobre trilhos e alaridos festivos, que só cessavam quando eram iniciados os ofícios religiosos. No mesmo lado, havia outros brinquedos, tipo Avião, Sombrinha, Barcos que eram verdadeiros balanços, puxados com cordas, além da Onda de madeira. Em frente a esses equipamentos havia um balcão de madeira revestido com folha de flandre, onde estava a banca de Seu João do Cachorro Quente, o sanduíche mais famoso do Parque, cozinhado numa panela de alumínio reluzente, cujo aroma da iguaria invadia o ambiente, atraindo os seus consumidores. Entre um Cachorro Quente e outro, os mais gulosos ainda degustavam pipocas.
       Em frente à Igreja, descortinava-se um corredor, a que o povo chamava de Quem me quer, pelo fato de que as adolescentes ficavam prá lá e prá cá, exibindo-se para a rapaziada, que se concentrava, praticamente, no entorno da estátua  do Monsenhor Olímpio Campos. A cada lado desse corredor, algumas famílias burguesas colocavam bancos de madeira com os seus respectivos nomes, e até poltronas, para acompanharem as suas filhas, tempo  em que, as mulheres tinham uma oportunidade de ficarem tricotando a vida  alheia. Nas imediações desse espaço eram instalados bares com mesas e cadeiras, tanto em frente à Escola Normal, hoje Centro de Turismo, como  na parte superior do antigo Aquário, atual Galeria de Artes Álvaro Santos e na parte fronteiriça da Prefeitura e do Palácio Episcopal, destacando-se, pela fidalguia no trato com os seus clientes, o Bar do Cotinguiba Sport Clube, gerenciado por Roger Torres de Oliveira.
       No outro lado da Igreja, ou seja, no lado esquerdo desse monumento histórico,  encontrávamos a Roda Gigante, os tabuleiros de arroz doce, de confeitos de castanha e de amendoins acondicionados nos barquinhos de papel de seda, de roletes de cana, de maçã do amor, de cavaco chinês, além do vendedor  de balões (bexigas) com o seu cilindro de gás hélio, que deslumbrava meninos e meninas. Misturados a tudo isso, havia também as barracas para as pescarias, de tiro ao alvo, de argolas e as bancas de jogo, tipo barrufo, pio (dados), jogo do bicho e, mais ao fundo, roletas. O jogo de azar era livre, apesar da sua proibição por força do Decreto-Lei 9.215, de 30 de abril de 1946, assinado pelo Presidente Eurico Gaspar Dutra. Nessa mesma área havia um palanque para a apresentação de folguedos folclóricos, entre os quais se destacavam a Zabumba de Quemdera, o Reisado de Piliu, a Chegança de Zé do Pão e o Guerreiro de Mestre Euclides. Ali também estavam instaladas as toscas barracas  de pano, que formava um conjunto de bares e de pequenos restaurantes, popularmente chamado de Egito.  


       Nos bares do Egito eram servidos apetitosos pratos típicos, entre os quais caruru, sarapatel, sopa de mão de vaca, pirão de mocotó, carne de porco frita, com fígado e rins de boi, feijoada, galinha cozida (kitchen) e galinha ao molho pardo, tudo regado a cerveja e cachaça, em especial a Guiamum, Paraty, Fogosa, John Bull, entre outras marcas. Esses estabelecimentos pertenciam a pequenos empresários, geralmente da periferia, da Caixa d’Água, da Suissa e de outros lugares afastados, cujas famílias de baixa renda se mudavam para o Parque nesses dias festivos. Naquelas barracas, alimentos, gente dormindo, barricão com cerveja gelando com pedaços de barra de gelo enrolados em jornais velhos acondicionados com pó de serra e sal grosso, já que não havia geladeira, nem freezer, compunham o ambiente e a sua higienização. Os pratos eram de ágata, alguns dos quais já com as beiras sem esmalte; os copos de vidro, tipo americano, eram lavados nas bacias de alumínio, tudo para atender à clientela composta de notívagos e de jogadores das roletas, que, entre uma aposta e outra, degustavam esses deliciosos acepipes, até alta madrugada.   

PARQUE TEÓFILO DANTAS

O Parque Teófilo Dantas, ou simplesmente, o Parque, como o aracajuano denomina esse espaço público, construído dentro da Praça Olímpio Campos, numa área de 100 metros de largura, por 200 metros de comprimento, é um dos mais importantes logradouros de Aracaju,  no centro do qual foi construída a Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição, atual Catedral Metropolitana com o mesmo orago. Sua denominação foi dada pela Resolução número 373, do Conselho Municipal  de Aracaju, datada de 17 de julho de 1928, em homenagem ao Coronel Teófilo Correia Dantas, Intendente (Prefeito) Municipal,  no período  de 1927 até 1930.  
O Parque foi projetado e executado pelo arquiteto e escultor Corinto Mendonça, que introduziu no seu projeto inicial alguns elementos decorativos da antiga Praça de Santa Maria de Belém, no Pará, uma das zonas naturais mais frequentadas pelos habitantes da cidade de Belém. Inaugurada no ano de 1904,  se destaca por sua frondosa vegetação e rica decoração com lagoas, ilhotas e pontes, o que serviu de inspiração para a construção de muitas praças no Brasil.
No Parque Teófilo Dantas foram introduzidos vários elementos decorativos, tipo taba de índios, lago das ninfas, cascata, o rio onde navegavam
barcos infantis, parque zoológico, aquário e parque de diversões,         alamedas e uma iluminação bem atrativa. No decorrer do tempo, oitizeiros, tamarindeiros, jatobás, ipês e uma vasta vegetação de espécimes da Mata Atlântica, decoraram o logradouro, que, também abrigava pássaros exóticos, como faisões, pavões, garças, marrecos e animais da fauna brasileira, como preguiças, cotias, macacos pregos, entre outros, que encantavam a gurizada nos seus passeios dominicais, quando acompanhada dos seus pais, irmãos, tios, avós e amigos, visitavam  os viveiros e reservas naturais cercadas, inclusiva a gruta da Cascatinha, localizada na extremidade noroeste do Parque, na confluência das ruas Capela e Propriá, cuja área era dominada por onças suçuaranas, capturadas nas matas regionais e trazidas para Aracaju.
O Parque era muito organizado, as calçadas do seu entorno eram simétricas, com largura de 2m20cm e revestidas de “trotoir” frisados nas cores de concreto e roxo terra, alternadamente. As áreas eram vigiadas por guardas municipais, que marcavam a presença da autoridade pública, coibindo os excessos sem violências, porém exercendo uma função pedagógica na orientação dos usuários do logradouro publico, para que não danificassem os seus equipamentos.
Outro espaço muito frequentado pelos visitantes do Parque era o  Aquário, onde víamos peixes ornamentais de espécimes regionais e da fauna amazônica, todos com os cuidados de servidores municipais que se envaideciam com o trabalho executado, além de narrarem para os visitantes as origens e nomes científicos dos peixes e plantas expostos. O Aquário, foi desativado na administração do Prefeito José Conrado de Araújo e transformado, em 1966,   na Galeria de Artes Álvaro Santos, na gestão do seu sucessor, o Prefeito Godofredo Diniz Gonçalves, que atendeu aos reclamos dos artistas pictóricos sergipanos, carentes de um espaço cultural, onde pudessem expor os seus trabalhos.   
Na parte central do Parque, os admiradores do Monsenhor Olímpio de Souza Campos  ergueram-lhe uma estátua em 16 de julho de 1916, homenageando-lhe como homem público e como prelado da Igreja Católica Apostólica Romana. Já na confluência com a Travessa Benjamim Constant e Rua Itabaianinha, foi construído o Bar  e Restaurante Cacique Chá, espaço dos mais nobres da cidade na glamorosa década de 1950. Nesses Anos Dourados, realizavam-se banquetes e festas das mais variadas no Cacique Chá, especialmente na gerência do fotógrafo Artur Costa. Este, por motivos de saúde, que foi sucedido por Manoel Felizardo do Nascimento, mais conhecido como Pirricha. Esse empreendimento passou a pertencer, a partir de 1953, à firma Amaral & Freitas que ampliou o espaço, mantendo-se, porém, o mesmo padrão, cujo ambiente era bastante apreciado pela sociedade aracajuana e por intelectuais de todos os matizes culturais. Cantores famosos, nacionais e estrangeiros, apresentaram-se no pequeno palco da Boite Cacique Chá, com destaque ao Rei do Bolero, o cantor espanhol Gregório Barrios, interprete de canções de grande êxito como “Diez Minutos Mas”, “Besame Mucho”, “Quizas, Quizaz”, “Recuerdo de Ipacarai”, “Vereda Tropical”, entre outras. Além de Gregório  Barrios, outra atração do Cacique Chá, foi Pedro Vargas, cantor e ator mexicano que alcançou grande sucesso internacional, sendo reconhecido como o Rouxinol das Américas.  Entre os nacionais, Ângela Maria, Ivon Cury, Nelson Gonçalves, Maísa Matarazzo e os músicos aracajuanos Antonio Teles e Ximenes, foram os que mais receberam aplausos da elite sergipana frequentadora do Cacique Chá.

Para esses acontecimentos sociais eram vendidos convites estilizados com estampas de pontos turísticos de Aracaju, que davam acesso à Boate, para as mesas com quatro lugares, que, em geral, eram ocupadas por casais elegantemente trajados, oportunidades em que as mulheres exibiam os seus esvoaçantes vestidos de cetin ou organza, ou ainda tailleur Chanel, enquanto que os homens trajavam-se com ternos azuis-marinhos e cinzas, ou com paletós esportes, os atuais blazers, nas cores escuras para contrastar com as calças, geralmente alvas. A pista de dança, localizada no meio do salão, era palco dos casais enamorados exibirem os seus dotes de dançarinos, às vezes aplaudidos pelos que ficam nas mesas saboreando salgadinhos, croquetes e outros tira gostos, acompanhados de cervejas Faixa Azul do casco verde, da Antarctica ou Brahma, do casco escuro, as mais famosas. Outros preferiam beber doses do  Whisky White Horse, o tradicional e famoso Cavalo Branco, um dos mais antigos “blendeds”, a serem consumidos em Aracaju, ao lado do Old Parr, para paladares mais exigentes. Bebia-se, também, Cuba Libre, uma mistura do antigo Ron Merino, com Coca-Cola, limão e gelo. O vinho era pouco consumido, nessa época. As mulheres pouco bebiam e aquelas que se aventuravam a um “drink”  mais forte, apreciavam o  Daiquiri, preparado à base de Ron branco, açúcar e limão, ingredientes batidos em coqueteleira e servidos em taças de champagne, com uma cereja na borda. Todo esse glamour do Cacique Chá sobreviveu ainda nos sessenta do século XX, mas, aos poucos, foi perdendo as suas características culturais, apesar de ainda sobreviverem algumas representações desse passado glorioso nas aquarelas pintadas em 1949 por Jenner Augusto, artista plástico sergipano, que era bastante influenciado pela obra de  Portinari.  

CENTENÁRIO DE MÁRIO CABRAL

A Academia Sergipana de Letras homenageará na sessão de amanhã, 24 de março de 2014, o poeta, professor, contista, cronista, folclorista, romancista e acadêmico Mário de Araújo Cabral, reverenciando a sua memória pela passagem dos seus 100 anos, no próximo dia 26.

Mário Cabral nasceu em Aracaju Sergipe, a 26 de março de 1914, filho de Antônio Cabral e de D. Maria de Araújo Cabral. Fez o curso primário no Colégio Antônio Vieira, em Salvador e o secundário no Atheneu Sergipense.  Bacharelou-se em Direito, pela Faculdade de Direito da Bahia. Foi Promotor Público, advogado e participou da fundação da Faculdade de Direito de Sergipe e, também,  da Faculdade de Filosofia. Dirigiu o Sergipe Jornal e fundou e dirigiu a Revista de Aracaju. Eleito a 2 de Julho de 1940, tomou posse na Academia Sergipana de Letras no dia 13 de setembro de 1941, na Cadeira nº 17, sucedendo ao escritor Manoel dos Passos Oliveira Teles. Colaborou com todos os jornais da cidade. Conquistou o Primeiro Prêmio no Concurso Nacional de Contos Moura Brasil, com o trabalho intitulado Superstição. A partir de 1955 transferiu a sua residência para Salvador. Dirigiu o Diário da Bahia, escreveu para o Diário de Notícias, Estado da Bahia, Jornal da Bahia e A Tarde. Publicou artigos em vários jornais do Norte e do Sul do país, como também do exterior, Chile, Peru e USA, Journal of Latin American Lore. Dirigiu o Teatro Castro Alves, em Salvador. Foi consultor Jurídico do Estado da Bahia, fez parte do Instituto Histórico da Bahia, da Associação Sergipana de Imprensa e daAssociação Brasileira de Escritores. Realizou viagens de estudos a Roma, Veneza, Sorrento, Madrid, Paris e Lisboa.
Mário Cabral experimentou todos os gêneros literários, mas foi na condição de cronista da cidade de Aracaju, que ele sedimentou a sua escrita, registrando a sua história social, a literatura, a arte, a vida noturna, os clubes e as festas aracajuanas. Além disso, foi um crítico literário, reconhecido nacionalmente. Faleceu em Salvador, Bahia, em 2 de abril de 2009.
No campo da poesia, publicou, em 1934, o soneto Jangada, no jornal O Estado de Sergipe, seguindo-se depois à publicação de artigos e conferências, nos jornais de Aracaju e palestras, tanto no Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, como na Academia Sergipana de Letras. As críticas literárias foram reunidas no livro Caderno de crítica, cuja primeira edição data de 1944. Em Roteiro de Aracaju, publicado em 1948, reeditado em 1955 e em 2002, Mário Cabral escreve uma crônica sobre a cidade, seccionada em várias outras crônicas onde o autor retrata com uma perfeição estilística, entre a prosa e a poesia, imagens indeléveis da cidade, levando o leitor a um passeio na Aracaju provinciana, deslumbrando-se com o seu casario, as suas ruas, praças e avenidas, com a beleza dos seus recantos bucólicos, iluminada desde o arrebol até o crepúsculo, com uma luz solar vibrante, que, na apreciação do cronista enche de cintilações a copa do coqueiral, desliza sobre a água clara do rio, joga um manto de luz sobre as ondas do mar, envolve em um amplexo luminoso as casas e as igrejas, as ruas e as praças, os morros e as praias.
No seu ensaio, O Folclore Infantil na Cidade de Aracaju, publicado em 1951, na Revista de Aracaju, durante as comemorações do  Centenário de Nascimento de Silvio Romero,  patrono da Cadeira número 2, da Academia Sergipana de Letras e fundador da Cadeira número 17, da Academia Brasileira de Letras, o primeiro escritor brasileiro a desenvolver  pesquisas no campo do folclore, sob o ponto de vista científico. Este mesmo ensaio compôs o volume de Crítica e Folclore, publicado em 1952, onde Mário Cabral se debruçou sobre as manifestações da cultura popular, estudando a produção artística e cultural do povo, as suas danças as suas  tradições afro brasileiras e o lúdico das crianças aracajuanas.
A contribuição de Mário Cabral para a Literatura Brasileira ressalta a sua importância, não só pelos temas abordados nos diversos livros, como pelo teor filosófico da sua escrita e na musicalidade da sua poesia.
O livro Cidade morta, publicado em 1954, reúne os poemas criados na sua juventude, onde Mário Cabral escreveu versos do primeiro amor, das primeiras saudades, dos primeiros sonhos dúvidas e receios. Da poesia, para o romance de ficção, com inserções memorialistas, o autor homenageado, publica Caminho da solidão, em 1962, romance profundamente humano, repleto de encanto e de magia.
Em Espelho do tempo, livro publicado 1973 e reeditado em 1975, Mário Cabral, traz ao leitor um livro de memórias, em que ele reflete sobre a vida e sobre as coisas que lhe envolveram e lhe influenciaram através do tempo. É um livro fascinante, seja pela técnica, pelo estilo, pela franqueza, pelo humor, pelo sentimento e pela veracidade das suas afirmações, que  prendem o leitor até a última página. Nesse mesmo ano, surge o livro Juízo final,  publicado 1979, em que ele enfeixa uma coroa de sonetos fortes e trágicos, por vezes apocalípticos, em uma sucessão de quadro desconexos, que o poeta encerra um tema de ordem pacifista, sem cuja vitória integral e absoluta o mundo resvalará para o caminho inevitável da sua autodestruição.
O autor homenageado publicava, em 1995, outro monumento literário, com o título Aracaju bye bye, um livro de contos, que tem Aracaju como palco, pois o seu autor, apesar de distante, não esqueceu a cidade, nem o seu povo.
A obra de Mário Cabral, no campo da crítica literária se encerra com a publicação de Jornal da noite, editado em 1997 e na poesia, com sete poemas terminais, onde marca a sua maturidade poética, abraçando a composição do soneto, uma das formas mais difíceis para a construção de poemas.
A obra literária de Mário Cabral que se apresenta multifacetada merece o reverenciamento do povo sergipano, não só pelas suas referências e encantos a Aracaju, como pela solidez dos seus conceitos, expressados nos seus livros, nas suas conferências e no seu estro poético. 

A ESCRITA DE MARIA LÍGIA MADUREIRA PINA

A escritora, poeta, professora e acadêmica Maria Ligia Madureira Pina, falecida em 14 de agosto de 2014, era uma ilustre sergipana que se dedicou ao ensino e às letras, tanto na composição de belíssimos poemas, como na escrita de ensaios historiográficos e de crônicas. Filha de Affonso Pinna e de D. Alexandrina Madureira Pina, Lígia Pina, como era mais conhecida no meio acadêmico,   nasceu em Aracaju, Sergipe, a 30 de setembro de 1925. Fez as primeiras letras com a Professora Carlota Sales de Campos, no Colégio Frei Santa Cecília, em Aracaju, transferindo-se depois, para o Grupo Escolar Manuel Luiz e, em seguida, para o Colégio Nossa Senhora de Lourdes, onde  concluiu o curso primário. Cursou o secundário no Instituto de Educação Rui Barbosa, quando iniciou com as suas atividades literárias, muito incentivada pelas professoras Maria Conceição Melo Costa, Julia Teles e Dalva Costa.
         Já professora, graduada pela Escola Normal, tentou fugir do magistério, para atuar como comerciária, na firma Cabral Machado & Cia., tentativa esta frustrada diante da sua vocação pelo magistério, principalmente porque havia conquistado no curso do Instituto de Educação Rui Barbosa, um amadurecimento social e cultural, capaz de transmitir aos adolescentes aracajuanos, os conhecimentos obtidos naquela modelar instituição de ensino público, formadora de uma plêiade de profissionais do ensino, que se destacaram no cenário educacional do Brasil.
                
No curso superior, muito incentivada pelos professores José Silvério Leite Fontes, Maria Thetis Nunes, Josefina Leite, Lucilo Costa Pinto, Felte Bezerra, Gonçalo Rollemberg Leite e D. Luciano Cabral Duarte, Lígia Pina dedicou-se ao estudo da Filosofia, da Antropologia, da Sociologia, da Geografia, da Literatura e, principalmente da História, dando início, assim, aos ensaios publicados nesse campo, além de outras pesquisas com o foco na Pedagogia.

Graduada em História e Geografia, na Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe, firmou-se no magistério, por mais de três décadas, lecionando aulas de História, Geografia e Sociologia, com atuação, desde 1959, em colégios da capital sergipana, entre eles o Colégio Nossa Senhora de Lourdes, o Instituto de Educação Rui Barbosa,  o Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe; e, também, no Colégio Estadual de Sergipe e no Colégio Tobias Barreto.
No decorrer da sua carreira no magistério estadual, a intelectual
que subitamente nos deixou, transferindo-se deste Oriente para o Oriente Eterno,  participou de vários eventos educacionais, tanto no Brasil, como no exterior, valendo destacar as suas experiências internacionais no Curso de Sistemas Educacionais a que frequentou em Israel, no ano de 1989.
Paralelamente à sua atividade no magistério, Lígia Pina, muito produziu textos literários e  trabalhos didáticos para a orientação de adolescentes, como: As Riquezas do Brasil, em 1969; O Poema Histórico da Ordem Sacramentina, em 1970; O Viajante do Tempo, em 1977; o
Ponto Ômega, 1979; Patrícios e Plebeus, entre outros, que tiveram grande repercussão nos meios educacionais do Estado de Sergipe.
Ao lado de tudo isso, a intelectual aqui referenciada, no seu livro de poemas Flagrando Vida, publicado pela Sociedade de Cultura Artística de Sergipe, em 1983, demonstrou os seus pendores literários, despertando o sentimento do belo. De igual forma, no seu livro Satélite Espião,  produziu poemas com extrema qualidade lírica.
Mas, foi na prosa, especialmente no livro A Mulher na História,
que a acadêmica Maria Lígia Madureira Pina veio a se notabilizar, no cenário intelectual de Sergipe.
A Mulher na História é um repositório de preciosas e importantes
informações, pois adotando o método de pesquisa bibliográfico, com algumas incursões no método empírico, ela narra toda a trajetória da mulher, desde a mais longínqua Antiguidade até aos dias atuais.
Nesse livro, começa por analisar as origens da discriminação da mulher, a partir da função biológica, própria do sexo feminino; dos tabus que passaram de geração a geração e a sua segregação bíblica. Mostra, ainda, a submissão da mulher na Antiguidade Clássica, sob o regime do patriarcado, quando era submetida a uma capitis iminutio perpétua: o marido podia repudiar a mulher; era legal a subordinação total da mulher à autoridade marital.
Ao recebê-la na Academia Sergipana de Letras, quando tomou posse na Cadeira número 27, numa memorável sessão acontecida em 13 de maio de 1998, concentramo-nos na análise do seu livro, A Mulher na História, que apresenta um elenco importantíssimo das representantes do sexo feminino, em todas as áreas do conhecimento humano, valendo destacar Rosa de Luxemburgo, líder socialista e uma das grandes expressões da Economia Política; Simone de Beauvoir, romancista e feminista, autora do livro O Segundo Sexo, que trata da emancipação feminina; Coco Chanel, que revolucionou o mundo da moda; Agatha Christie, romancista mundialmente conhecida; Virgínia Wolf, escritora que introduziu o romance psicológico e lutou contra os padrões literários da Era Vitoriana; Dolores Ibárruri (La Passionara), líder operária espanhola, que lutou contra a opressão do Generalíssimo Francisco Franco; Golda Meir, fundadora do Estado de Israel e Madre Tereza de Calcutá, que dispensa comentários, diante da sua trajetória em benefício dos menos afortunados.
A Lígia Pina, na sua obra literária, exibe-nos um formidável painel das mulheres que se projetaram no balé, no teatro, no cinema, nas artes, e focaliza as mulheres brasileiras que tiveram uma maior participação na política, na literatura, a música, nas artes plásticas, na aviação, na filantropia e beneficência, exemplo de Maria Quitéria de Jesus Medeiros, Joana Angélica de Jesus, Ana Néri, Anita Garibaldi, Princesa Isabel, Cecília Meireles, Raquel de Queiroz, Dinah Silveira de Oueiroz, Cora Coralina, Madalena Tagliaferro, Bidu Sayão, Chiquinha Gonzaga, Alice Tibiriçá, Tarcila do Amaral, Carmem Miranda, Anésia Pinheiro Machado, Irmã Dulce.
Na sua escorreita escrita, a professora Lígia Pina  dedicou um especial capítulo à mulher sergipana, dando ênfase especial às educadoras laranjeirenses Possidônia Bragança e Zizinha Guimarães. Ressalta a atuação das intelectuais Etelvina Amália de Siqueira, Leonor Teles de Menezes e Cezartina Régis, ex-alunas da Escola Normal e pioneiras do Movimento Cultural Feminino, em Sergipe.
Nesse mesmo sentido, a acadêmica Maria Lígia Madureira Pina, abriu páginas indeléveis fincando a participação de Quintina Diniz de Oliveira Ribeiro, professora e política; da jurista Maria Rita Soares de Andrade e da poetisa Carlota Sales de Campos.
Genésia Fontes (D. Bebé), na filantropia; Flora do Prado Maia, no romance; Leyda Regis, na contabilidade, Rosa Faria nas artes plásticas e Yvone Mendonça e Celina de Oliveira Lima, no magistério, receberam especial registro no livro A Mulher na História.

No destaque final da sua obra, Lígia Pina dedicou-se ao estudo da vida e da obra das acadêmicas Ofenísia Freire, Maria Thetis Nunes, Núbia Marques, Carmelita Pinto Fontes e Gizelda Morais, escritoras, cientistas sociais, poetisas e romancistas, todas elas dedicadas, também, ao magistério e responsáveis pelo desenvolvimento moral e cultural do homem sergipano. 

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

UM PERFIL DE SANTO SOUZA

O poeta José Santo Souza imortalizou a sua obra literária nas representações mitológicas, refletindo um conhecimento extraordinário da cultura da Antiguidade, com uma linguagem forte, onde se vê o seu domínio sobre a língua e a literatura grega, mesclando os deuses e heróis, com as suas personagens sofridas, perseguidas, ensanguentadas e famintas, na luta contra as adversidades e na esperança da conquista da liberdade e do bem comum, como fundamentos dos princípios mais elevados da dignidade da pessoa humana. 
 Santo Souza, nasceu  em Riachuelo, no Estado de Sergipe, a 27 de janeiro de 1919, era filho de Manuel Raimundo Vasconcelos e de Hermínia Vasconcelos. Fez os estudos iniciais na cidade natal, na escola da Professora Marocas Marafuz, mudando-se, ainda na adolescência, para a cidade de Aracaju, onde se empregou no comércio. Autodidata, dedicou-se ao estudo da literatura, da música e da arte. Produziu  crônicas em que se misturavam a prosa e a poesia, para o deleite e o encantamento dos seus leitores. Na poesia, aprimorou-se com o poema de cunho social, o poema dos aflitos e dos angustiados, elevando a sua voz contra a intolerância e a opressão. Por toda a sua obra, é considerado como um dos mais importantes nomes da poesia sergipana  da segunda metade do século XX,  o que lhe abriu o  caminho para a conquista da Cadeira nº 3, da Academia Sergipana de Letras, na qual foi empossado no dia 4 de julho de 1970, na sucessão do, também, poeta Cleômenes Campos de Oliveira,  em cuja solenidade foi recebido  pelo acadêmico José da Silva Ribeiro Filho, que, no seu discurso,    enalteceu o estro poético esotérico e místico do intelectual sergipano. Além da sua atuante participação no Sodalício sergipano, Santo Souza  integrou, ainda,  o Movimento Cultural Sergipano, liderado por José Augusto Garcez; fez parte do Clube Sergipano de Poesia e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Foi  membro titular do Conselho Estadual de Cultura e sócio correspondente da Academia Paulista de Letras. Faleceu em Aracaju no dia 18 de abril de 2014, deixando enlutada a Academia Sergipana de Letras.

       Para imortalizar a sua obra, a Academia Sergipana de Letras, a Associação Sergipana de Imprensa e a Loja Maçônica Cotinguiba interagiram num projeto de edição do livro Ponte para os trágicos, reunindo os poemas Ésquilo na tormenta, Deus ensanguentado e Crepúsculo de esplendores,  homenageando-o, ao completar os seus  95 anos de idade, em plena produção literária.ao acadêmico.
      
Além de poeta e notável cronista, Santo Souza engajou-se no campo do jornalismo, especialmente na condição de redator-chefe da Revista Alvorada e em participações em jornais diários de Aracaju, produzindo textos para programas culturais da antiga Rádio Difusora de Sergipe, bem assim para as rádios Liberdade e Cultura.
       No jornalismo e na poesia, Santo Souza propugnou por uma sociedade mais justa, digna e participativa. Nessa linha de pensamento, o poeta debruçou-se sobre a insensatez da sociedade no enfrentamento das desigualdades entre as pessoas, lançando um grito de clamor e de ansiedade, legitimado na representação do poema Paisagem de Natal./Natal. Noite de festa! – Sob o açoite/do vento, que pragueja e rodopia,/a noite vela. Tão somente a noite,/A noite e o vento na infernal orgia./No alto, o sudário azul do céu se espalha/embebido de lágrimas frementes.../Longe, o horizonte, exausto, se agasalha/nos ombros das montanhas penitentes./E a tristeza das árvores cansadas/no escuro. Bracejando, em pé. Sofrendo,/com as unhas das raízes enterradas/nas entranhas do chão, se contorcendo./Perto, a choupana. E a luz que se consome,/numa vigília atroz, dentro da sala/vendo a criança magra que se embala/sonhando e rindo, pálida de fome./Natal! Jesus-menino... E esta criança/sem brinquedos, faminta, na esperança/de ver Papai Noel se aproximando.../E o vento passa. O vento passa e a engana!/-Não é Papai Noel: é o vento andando/sobre o teto de palha da cabana.../Dois mil anos de sonhos e esperanças/se desfolhando em cada coração:/Natal! Noite de festa... E essas crianças/de mãos vazias – sem um lar! sem pão!

       Na esteira do mistério dos construtores do Templo de Salomão e sob o pálio do Grande Arquiteto do Universo, o poeta, ávido por liberdade, produziu Pássaro de pedra e sono, composto com vinte e dois poemas e uma temática universal, em que trata do poder e do flagelo da fome, lançando um protesto contra as prisões e a opressão dos poderosos. Esse livro, considerado subversivo pela censura da Ditadura Militar de 1964, foi retirado das prateleiras das livrarias e a sua circulação proibida, já que os poemas Decreto-Lei nº 13, Canção de Condenados e Canção para os Famintos, apontavam injustiças e manifestavam um pensamento revolucionário, sutil e prolongado, o que desagradava aqueles que se encontravam encastelados no poder.
       Sucederam-se outras produções literárias, merecendo destaque entre elas, Pentáculo do medo, A construção do espanto, Rosa de fogo e lágrima, Deus ensanguentado e Crepúsculo de esplendores, onde Santo Souza encanta-se com os deuses, heróis e divindades da Mitologia Grega, transcendendo-os para as realidades sociais de um mundo convulsionado pelas guerras fraticidas, pelos conflitos sociais e pelos preconceitos étnicos.

        A obra  de Santo Souza está construída sobre uma visão órfica do universo, cercada de misticismo e  espiritualismo, com uma mensagem forte, em que discute sobre a condição humana e sobre a função do homem na Terra, estabelecendo uma relação entre a poesia e o mito Orfeu, um herói lendário, dotado de uma capacidade para o canto tão maravilhosa, que era capaz de pacificar feras e mover as árvores e as pedras... 

HISTÓRIAS DE VÁRIOS TEMPOS – fatos e pessoas.

Histórias de vários tempos – fatos e pessoas, é o livro de crônicas de crônicas do cotidiano, de autoria do professor, magistrado e acadêmico Artur Oscar de Oliveira  Deda,  com 375 páginas e editado sob o selo  da Editora J. Andrade.
O livro reúne várias histórias publicadas nas páginas do Jornal da Cidade  de Aracaju, pontilhadas de narrativas de episódios vividos  pelo autor, escritas numa linguagem coloquial que conduz o leitor a  momentos memorialistas,  pintando  com maestria quadros multidisciplinares de cada época, com reflexões sobre aspectos políticos, econômicos,  culturais, ambientais e de costumes. Dividiu a sua obra literária em cinco capítulos, bem dimensionados e criteriosamente selecionados. No primeiro, reúne de crônicas, com achegas autobiográficas e de variados assuntos, com o conteúdo temporal bem delimitado e apreciações da sua própria trajetória de vida. No segundo capítulo, Artur Deda, concentra a sua escrita no cotidiano, nos fatos e nas pessoas que projetou nas suas vivências e nas suas observações. Já no terceiro capítulo, o autor relembra pessoas e fatos que marcaram a sua vida,  familiares, professores e amigos e outras personalidades. O autor, no capítulo quarto dedicou as suas reminiscências nas suas viagens ao Velho Mundo e  relatos culturais sobre Paris, a “Cidade Luz”, fonte de inspiração para poetas e artistas plásticos, berço da Democracia moderna e do Iluminismo, onde se forjaram as representações da Igualdade, Fraternidade e Humanidade. Nesse mesmo  capítulo,  o autor lança os seus olhares sobre Londres, outra capital européia que lhe impressionou tanto pela sua monumental arquitetura, pelo paisagismo das suas praças, das suas estreitas ruas e da imponência do Palácio de Westminister, com a sua torre relógio e o sino Big Bem, como pela impressionante convivência das etnias. Já no quinto e último capítulo, o cronista escreve as suas   opiniões sobre as leis e considerações sobre a independência da mulher e a evolução da família brasileira.
As crônicas do acadêmico Artur Deda, compiladas no livro   Histórias de vários tempos – fatos e pessoas, enobrecem a literatura sergipana pelo seu conteúdo e compromisso com a cultura; com a presentificação do passado, lembrando o que outros esqueceram, para despertar nos jovens, as contribuições de pessoas e de fatos que construíram a sua cidade, o seu estado e o seu país.
Aliás, nesse sentido, Eric Hobsbawm, em seu livro Era dos extremos, faz um alerta sobre boa parte dos jovens de hoje que crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem.
Artur Oscar de Oliveira Deda, ou Artur Deda, como é mais conhecido no mundo acadêmico,  é o  ocupante da Cadeira Nº 28, da Academia Sergipana de Letras, patroneada pelo Conselheiro Salustiano  Orlando de Araúo Costa, mais conhecido como Conselheiro Orlando,  político e magistrado, autor dos Comentários ao Código Comercial do Império e de inúmeros ensaios sobre matérias voltadas para o Direito Empresarial, que o  consagraram no campo das letras jurídicas. A cadeira acadêmica ocupada pelo cronista, poeta, professor e magistrado  Artur Deda, foi fundada por outro magistrado e político, o  também simão-diense, Gervásio de Carvalho Prata, uma das personalidades do mundo jurídico sergipano  dos primeiros quartéis do século XX, que legou para os seus coestaduanos  experiências jurídicas e ensaios  de geopolítica em torno da secular questão dos limites entre os estados de Sergipe e da Bahia.
Artur Deda tomou posse na Cadeira nº 28, em Sessão Solene da Academia Sergipana de Letras, realizada no dia 11 de agosto de 1982, no Auditório Governador José Rollemberg Leite do Palácio Tobias Barreto de Menezes, sede do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, em solenidade presidida pelo Acadêmico Luiz Antônio Barreto, à qual acorreram acadêmicos, gestores públicos e da iniciativa privada, professores,  intelectuais, estudantes e representantes da comunidade. Coube ao Acadêmico Luiz Carlos Fontes de Alencar pronunciar o discurso de recepção,  em nome do Sodalício, quando enalteceu o novel acadêmico, ressaltando a sua postura como um intelectual comprometido com a solidificação da cultura, em todos os seus segmentos.  
Na Academia Sergipana de Letras, o Acadêmico Artur Oscar de Oliveira Déda tem contribuído para o desenvolvimento cultural de Sergipe, com uma obra voltada para as letras jurídicas, para a crônica  e para a poesia. Na prosa, além das crônicas e dos ensaios jurídicos, destaca-se o seu estudo sobre o fundador da Cadeira n° 28, do Sodalício sergipano, o desembargador Gervásío de Carvalho Prata.
Nele, Artur Deda, mostra a atuação filosófica do autor estudado, acentuando que Gervásio Prata tinha convicções liberais e democráticas, realçando:
Na atividade partidária proclamou sempre a autoridade da lei contra o arbítrio, e como juiz nunca aceitou impassível "os sofismas opressores da razão de Estado". Manifestou simpatia pelo movimento renovador de 1930, mas o subseqüente desenrolar dos acontecimentos causou-lhe muitas apreensões, pois rejeitava que o transitório por natureza, convertido fosse em permanente. E no próprio recinto do Palácio do Governo, quando da visita que o Tribunal de Apelação fez ao Interventor Federal, proclamou, sem refolhos: "As armas traçam a vitória do mais forte, porém, uma vez alcançado o objetivo, elas esbarram a sua marcha. O fuzil cansa nas mãos, as espadas se dobram ao peso de si mesmas, os comandos fatigam e as tropas se exaurem de lutar. É a paz que se procura depois das convulsões internas nos seios dos povos". Restabelecida a paz "a força da sociedade volta a ser a do Direito e da Justiça, porque este é o verdadeiro destino do homem. As armas tornam aos arsenais de onde saíram, "lugar próprio delas, para a defesa do Direito e da Pátria", pois "só é útil a revolução, que destrói para reconstruir e que cede, sem grandes retardas, as suas conquistas ao poder legal da Nação'".

Sua coletânea poética ainda é inédita. Todavia, muito bem se percebe sua riqueza através de alguns sonetos já conhecidos.

SEPARAÇÃO
Por longos anos, uma vida inteira,
Ficamos juntos, sem que houvesse amor;
Unidos simplesmente por cegueira,
Tu me causavas mal com o teu calor

Porém, como houve, um dia, a vez primeira,
Eu quis que houvesse . e o fiz com destemor,
A vez final, extrema, derradeira,
E a meta conquistei, posto com dor.

Estamos separados, nunca mais
Meus lábios tocarão teu corpo quente.
Foram rompidos elos da corrente.
Os males que fizeste são demais:
A tosse renitente, este pigarro,
Quem deixa por lembrança és tu, cigarro.

VISÃO NOSTÁLGICA

Cadeira balançada pelo vento.
Imagem de profunda nostalgia
Que dor no coração vê-la vazia
Reflui todo passado ao pensamento
           
Tua lida consumou-se num momento.
Quando, querida mãe, partiste um dia,
Depois de suportar lenta agonia.
Neste enganoso mundo de tormento.

Cansado de chorar tento dormir.
Ouço a voz dos meus filhos a pedir:
- Conte mais lima história. vovozinha!

Acordo, abrindo os olhos, bruscamente.
Caio num pranto infindo, compungente,
Vendo a cadeira a balançar, sozinha.




QUAL É A COR DOS MEUS OLHOS?

(Paródia ao poema "Qual é a cor dos meus olhos", de José Amado Nascimento)
Ó mares encapelados
Agitados, encrespados .
Ò verdes mares bravios .
Sorvedouros de navios,
Mares cheios de abrolhos:
Qual é a cor dos meus olhos?


Estrelas, casebres, rios,
Terminai meus desvarios,
Dando resposta segura
A questão que me tortura
Respondei-me sem refolhos:
Qual é a cor dos meus olhos?


No limiar dos trint’anos
Não posso ter desenganos
Sofrer tantos dissabores.
São brancos ou furta-cores?
Afastados os escolhos:
Qual é a cor dos meus olhos?

Homens mulheres, meninos,
Ricos, médios, "severinos":
Palhaços da corda bamba,
Baianas dançando samba,
Com saías de muitos folhos.
Qual é a cor dos meus olhos?

Depois de tanto pedido,
Já quase desiludido,
Ouço uma voz a dizer
Que existe um meio de ver
O caso solucionado:
"Pergunte a José Amado."


            A escrita de Artur Oscar de Oliveira Deda aqui sucintamente referenciada enaltece a  Academia Sergipana de Letras, que se rejubila com a sua atuação acadêmica na prosa, na poesia, no magistério e nas conferências pronunciadas no campo do Direito, dignificando o Sodalício e os sergipanos pela sua postura como um dos defensores do Estado Democrático de Direito que prima pela dignidade da pessoa humana.


quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

PARQUE TEÓFILO DANTAS (III)



     A Feirinha de Natal realizada no Parque até os anos de 1980 era o maior acontecimento social da cidade no ciclo natalino, em especial para a criançada. Nessa época, criança ainda era criança, com as suas fantasias infantis e os  seus brinquedos lúdicos, que eram vendidos por ambulantes, tipo carrinhos de madeira, kits de música, ratinhos de papel que corriam sobre carretéis de cerâmica, bonecas, fantoches, petecas, entre outros, que estimulavam a educação infantil. As comidas e guloseimas eram artesanais, típicas e caseiras, poucos eram os alimentos industrializados, ali vendidos. Os refrigerantes produzidos  em Aracaju, Jade, Gasosa, Amorosa, Tubaína, foram, aos poucos,  substituídos por marcas internacionais e nacionais, tipo Coca-Cola, na garrafinha e de 185 mililitros, Guaraná Caçula, da Antarctica, surgida em 1950, também, na garrafinha de 185 mililitros, Crush, no sabor laranja, Grapette, Fratelli Vita, nos sabores guaraná, limão e laranja,  e Guaraná da Brahma, que passaram a dominar o mercado consumidor aracajuano.
     Nessa época, a pavimentação do Parque ainda era primária, empiçarrada, o que ocasionava poeira no verão e, lama quando chovia, causando transtornos para as donas de casa, na lavagem das roupas de seus filhos, geralmente de linho branco e das meninas, que vestiam roupinhas em tecidos leves, azuis e outros tons alvos. O jeans ainda não havia invadido o vestuário, e o traje das pessoas eram tradicionais. Os homens fossem ricos, remediados ou pobres, trajavam-se com paletós e gravatas e as mulheres sempre elegantes, algumas se vestiam, exageradamente, a que o povo, na sua ironia,  dizia que elas estavam enfeitadas, parodiando Balzac, em uma das suas célebres frases, ao dizer que as elegantes vestiam-se e as ricas enfeitavam-se.   
     Todo esse burburinho de fim de tarde até oito a  nove horas da noite, durante os dias das semanas natalinas, ou, até mais tarde no final de semana, só era interrompido por ocasião dos ofícios religiosos, realizados na Catedral Nossa Senhora da Conceição, quando tudo parava de funcionar, principalmente durante a celebração da Missa do Galo, celebrada na Véspera de Natal,  que começava, invariavelmente, à meia noite de 24 para 25 de Dezembro,  em atenção aos pedidos do Monsenhor Olívio Teixeira, durante o período de 1949 a 1957, quando esteve à frente da Paróquia.
     Esses anos  glamorosos da Feirinha de Natal, no Parque Teófilo Dantas, foram decaindo na proporção em que foram decaindo, também, festejos  populares em torno do Natal, no centro da cidade, bem assim ao surgimento de outros espaços públicos e à própria transformação da festa natalina, que passou a exigir um maior congraçamento das famílias em suas residências, em torno da Ceia do Natal. Outro fator dessa mudança dos festejos natalinos está ligado ao consumo, devido à  influência do mercado de produtos natalinos desencadeada pelos norte americanos no Brasil, principalmente a  partir da década de 1960, quando a propaganda em torno do Papai Noel, começou  a ser mais evidente. Associado a isso, outros fatores como a falta de segurança, a desmotivação do povo, o surgimento de parques de diversões com novos equipamentos de lazer e o aparecimento dos shoppings, fizeram com que a tradicional Feirinha de Natal deixasse de acontecer no Parque Teófilo Dantas.    



JOSÉ ANDERSON NASCIMENTO
MEMORIALISTA. JORNALISTA.
PRESIDENTE DA ACADEMIA SERGIPANA DE LETRAS